Cuidados de Longa Duração

O fenômeno mundial da longevidade vem acompanhado de um grande desafio: o de cuidar. Acrescido à questão do envelhecimento populacional, tem-se a questão das mudanças nas configurações familiares, núcleos cada vez mais reduzidos ou sem a presença de filhos, dada a queda paulatina das taxas de fecundidade. Não é preciso recorrer a números para perceber. Basta olhar ao redor, observar sua própria família; se as bisavós e avós de sua família geraram muitos filhos, provavelmente os seus filhos terão um ou nenhum filho.

Essa questão é fundamental para a política de cuidados, uma vez que a família é um importante recurso à pessoa idosa que apresente declínio funcional e necessite de ajuda de terceiros para as chamadas atividades de vida diária. Essa ajuda pode ir de situações pontuais, como por exemplo, auxílio na hora do banho, até os cuidados a pessoas idosas acamadas, precisando de atenção e cuidados 24 horas, numa rotina que, se não for organizada e com oportunidades de descanso e respiro para quem cuida, pode tornar-se muito estressante.

A pesquisadora do IPEA Ana Amélia Camarano na nota técnica de número 64 de 2020, traz importantes considerações além de projeções, sobre o cuidado de longa duração aos idosos brasileiros. Na nota, a autora ressalta que a nossa Constituição Federal diz que a família é a principal responsável por prover cuidados a uma pessoa idosa e em sua ausência outras alternativas (cuidadores remunerados ou ILPI – Instituição de longa permanência para idosos, por exemplo) devam ser consideradas.

Com dados baseados em pesquisas de âmbito nacional, Camarano (2020) chegou aos seguintes números:

Os dados das duas pesquisas confirmam que a família brasileira tem desempenhado o papel de principal cuidadora dos seus membros idosos frágeis, e esse papel provém, principalmente, de familiares não remunerados. De acordo com a pesquisa Elsi, aproximadamente 90% da ajuda que os homens recebem vem de familiares que residem no mesmo domicílio e não são remunerados; no caso das mulheres, a proporção comparável é de 85,1%. Os dados da PNS vão na mesma direção dos da pesquisa Elsi; 88,8% dos homens e 80,2% das mulheres recebem cuidados de familiares não remunerados”.

Outro documento que corrobora essa informação (Arranco et al 2022) aponta que aumenta a probabilidade entre as mulheres de receberem cuidados decorrentes de dependência funcional, uma vez que vivem mais que os homens. Essa diferença de gênero aumenta nas faixas etárias mais avançadas, o que também eleva nas mulheres a possibilidade de doenças crônicas, tais como hipertensão, diabetes, bem como as doenças neurodegenerativas e portanto, com maior probabilidade de receberem cuidados prolongados em relação aos homens da mesma idade ( p.56).

Para além das questões de gênero e comorbidades, há que se pensar nos recursos disponibilizados para atender a essa demanda. O relatório Resumo de Política: cuidados de longa duração (OPAS, 2021) aponta que ao longo dos últimos anos houve diferenças nas taxas de crescimento de expectativa de vida saudável em relação à expectativa de vida, aumentando a lacuna de 9,7 para 10,6 anos entre 1990 e 2017 na América Latina, revelando que, embora sigam vivendo mais, as pessoas não estão envelhecendo com saúde.

Isso quer dizer que será necessário pensar e promover serviços e programas capazes de auxiliar a mulher (ainda considerada principal cuidadora da família) bem como os cuidadores informais ou não remunerados, que compreendem familiares, vizinhos, voluntários e outros a prover esses cuidados de longa duração (CLD), levando em conta que essas pessoas precisarão dispor de recursos humanos, financeiros e de saúde para exercer o cuidado à pessoa idosa bem como se autocuidar para prevenir a sobrecarga e com ela, o desenvolvimento de doenças.

Portanto, segundo a OPAS, é preciso desenvolver medidas mais efetivas de proteção e cuidados, conforme segue:

  • Fornecer uma imagem mais clara em relação às necessidades de CLD nas Américas – por meio de coleta de dados, sistematização e fornecimento de informações sobre as necessidades de CLD e os custos estimados de não ter um sistema de CLD.

  • Engajar os países em um processo para construir definições e classificações comuns em relação as necessidades de CLD, assim como os métodos para mensurar dependência.

  • Construir apoio político para elevar os CLD nas agendas políticas e fortalecer o apoio a esse tema em nível regional e nacional.

  • Apoiar os países para reconhecer a relevância dos CLD e a necessidade de implementar uma resposta coordenada.

  • Fortalecer a coordenação regional e a discussão sobre os CLD para criar massa crítica e assim gerar oportunidades de aprendizado entre os países da Região.

(OPAS,2021)

Por fim, o olhar sobre os cuidados de longa duração deve ser centrado nas pessoa idosa que o recebe, lançando mão dos recursos disponíveis ( nem sempre fáceis ou viáveis) mas sobretudo, esse olhar deve estender-se ao cuidador familiar, compreendendo também as suas demandas, expectativas, necessidades, otimizando os recursos disponíveis, auxiliando na construção de uma rede de apoio formal (do Estado) e informal (composta de outros membros da família, vizinhos, voluntários da igreja, e outros) a fim de se obter uma rotina de cuidados possível e organizada, para proteger a pessoa idosa e o seu cuidador.

Referências

Aranco, N. et.al. Envejecer en América Latina y el Caribe: protección social y calidad de vida de las personas mayores, Banco Interamericano de Desarrollo, 2022.

Camarano, A.A. Cuidados para a população idosa e seus cuidadores: Demandas e alternativas. Disoc. Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, n. 64, IPEA, 2020.

OPAS, Organização Panamericana de saúde. Os desafios e as oportunidades para promover um sistema de cuidados de longa duração nas Américas. Resumo de política: cuidados de longa duração, 2021.

Marilia Vieira Sanches é terapeuta ocupacional especialista em gerontologia, mestranda em gerontologia pela USP, docente, palestrante, fundadora da Envelhecimento Vivo – Ensino e desenvolvimento de projetos.

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