Envelhecer é um privilégio moderno. Durante cerca de 200 mil anos de história da humanidade, a esperança de vida esteve abaixo de 30 anos. Somente no ano de 1900 é que se alcançou a expectativa de 32 anos de vida e, desde então, uma ascendência veloz nos trouxe à atual esperança de vida de aproximadamente 75 anos, sobretudo em razão de fatores atrelados à higiene, alimentação e tecnologias. Dessarte, pode-se asseverar que há uma inexperiência em envelhecer. Solo novo e fértil, o campo do envelhecimento foi tomado pela medicina e pela indústria farmacêutica que o exploram amiúde, sobretudo em seu potencial para diagnósticos e tratamentos.
O envelhecimento implica em uma natural perda progressiva de vigor e degeneração das funções orgânicas. Ambos os fenômenos de caráter quase criminoso ante uma sociedade homogeinizante, que valoriza o novo, o perfeito, e que traduz como doenças mentais a tristeza, a infelicidade e o luto, por exemplo. Neste ínterim, poder-se-ia afirmar que o próprio envelhecimento é ocasionalmente encarado como enfermidade, senão ao menos como um tempo da vida que oportuniza uma abundância diagnóstica, desde hipertensão arterial à insônia, Alzheimer, Parkinson, e até psicoses, o que deve interessar largamente à alguns. Dá-se, nessas linhas, ênfase à inflação diagnóstica na velhice, mas o fenômeno é diluído em todas as faixas etárias, como comentou Aldus Huxley “A pesquisa médica avançou de tal forma que quase não restam pessoas saudáveis”.
A recente história do envelhecimento, coadunada a relação da sociedade atual com a inovação e com o mercado, encorpou o poder da engenharia médica no que refere ao direito – quase exclusivo – de conceitualizar o que é saudável e o que é doentio, o que é normal e o que é patológico. Aqueles que detém este poder ditarão não só o que caracteriza cada patologia, como também seu tratamento e os medicamentos implicados. Deste modo, a saúde trilha o caminho das uma das mercadorias mais lucrativas da contemporaneidade e envelhecer se torna um privilégio caro.
Dessa forma, questionemo-nos, qual seria uma boa alternativa à inflação diagnóstica e a hipermedicalização no envelhecimento? Poder-se-ia pensar em boas estratégias de prevenção como resposta. No entanto, até quando o assunto é a prevenção um alerta se faz necessário. Prevenção como uma construção de vida, cultivando hábitos alimentares mais saudáveis, bons relacionamentos, atividades físicas e hobbies, por exemplo, e não prevenção com exames à exaustão e consultas desnecessárias. O idoso que seremos depende dos hábitos que cultivarmos ao longo de toda vida.
Solange Kappes
Psicóloga Clínica CRP 0572377
Contato: psicologasolangekappes@gmail.com