Pequeno elogio à Doença
A dor e a doença são necessárias para a vida. Parte-se aqui do pressuposto de que há um reconhecimento das limitações de entendimento quanto aos assuntos da saúde, da doença, da integração do organismo e seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Consequentemente, há restrições de compreensão também no que refere aos fenômenos do adoecimento de um ser – um ser, pois o adoecimento é sempre singular – e de seus potenciais pontos positivos.
Quando há doença, trabalha-se com a expectativa da cura imediata, ou tão breve quanto for possível, tornando a ideia de que onde há doença não há saúde e, portanto, não há possibilidade de vida de qualidade. Dá-se, pois, a entender que a enfermidade, a dor ou o sofrimento devem ser abolidos da vida. Quando é também possível que sejam encarados como um anzol para o conhecimento, como uma oportunidade inevitável que conduz à um reconhecimento de si. A experiência da enfermidade oportuniza relacionar-se de forma diversa com a realidade; assim, talvez, o sofrimento e o adoecimento sejam capazes de trazer sobriedade e lucidez. Pode-se indagar: Como a doença pode modificar a forma de ver a vida ou trazer algo positivo? Imagine uma afecção que acame e resigne um sujeito por alguns dias, que retire o vigor e até mesmo incapacite para as atividades mais elementares como a alimentação e a higiene; a situação exige um investimento libidinal quase que exclusivo em torno do sujeito e da necessidade de convalescer sobre a doença. Possivelmente, preocupações cotidianas e banais, que desviam o sujeito de si, nem se farão possíveis. Apresenta-se, assim, uma oportunidade de reavaliação de valores, bem como de recrudescimento da força necessária para viver.
Há que se compreender que o sofrimento, o adoecimento e a dor, por mais intensos que sejam, são próprios da vida e da formação do corpo; não há como evitá-los ou negá-los, apesar dos incansáveis investimentos para o desenvolvimento de técnicas que atenuem o sentir. Há longo prazo, tantos remédios e recursos podem resultar em um mal maior, haja vista que anestesiam a vida. É sabido que a ausência de experiência da dor não oportuniza catarses, nome que se dá a purgação das paixões e sentimentos. Consequentemente, não se cresce, não se amadurece, não se desenvolve crítica ou análise de vida alguma. A dor acabou por se tornar uma circunstância médica que se deseja evitar a qualquer custo.
Enfim, adoecer é um sinal de alerta, um aviso do organismo de que algo precisa ser notado e requer cuidados, recolhimento e retorno para si. É fazendo frente ao sofrimento que se impõe os empreendimentos mais difíceis, e é quando mais se sai em busca de si mesmo, tanto no conhecimento quanto na cura. São necessárias a coragem, a saúde, a vontade de futuro, de força e de vida para encarar a doença até as últimas consequências, e isso corresponde a versatilidade da saúde. E é nessa dialética: Saúde que se ausenta – doença que se apresenta – combate e abandono da doença – saúde mais vigorosa, que o valor da vida se expande.
Solange Kappes
Psicóloga Clínica CRP 0572377
Contato: psicologasolangekappes@gmail.com