Qualidade de vida ou vida de qualidade?
Adote hábitos de qualidade, não fume, evite bebidas alcoólicas, trabalhe, seja útil para a sociedade e lembre-se de tirar férias, pratique esportes ou atividades físicas, tenha lazeres, cuide do seu sono e da sua saúde mental, não se exponha ao sol em excesso e alimente-se bem. Tragam-me aquele que nunca ouviu tais recomendações. Este script, que promete uma qualidade de vida ideal, desconsidera uma série de questões, ao passo que, trás soluções universais, como se a qualidade de vida fosse uma meta, um objetivo, ou um alvo a atingir e que, ao ser alcançada, elevasse a pessoa ao status de superior, mas será?
Qualidade de vida é um conceito difundido nas legislações acerca da saúde e no cotidiano. Ele – o conceito – é utilizado como um norteador para o desenvolvimento de recomendações e práticas de cuidado. Mas será que não estamos a oferecer importância demais aos conceitos? Qual é a necessidade de produzir-se conceitos gerais e universais? Eles não acabam por afastar-nos ainda mais das nossas subjetividade e individualidade? Não será esse caminho tão somente o mais fácil? Justamente o caminho que coloca o cuidador ou profissional de saúde em um confortável lugar de sábio e detentor da verdade?
Gerir a vida e a saúde sob a ótica da qualidade de vida retira a autonomia do sujeito sobre si, o afasta do conhecimento e da observação sobre si, de seu organismo, de seus gostos e valores; facilita-se para que, durante a vida e com a vida, se entregue aos cuidados e orientações dos outros. Conforme a idade avança, surgem infinitas recomendações oferecendo a mitológica qualidade de vida. Oferecer, que por si só é um termo que denuncia o alheamento ao sujeito, traz algo que de origem exterior que desconsidera o que há no interior.
Então, o que se propõe? Uma inversão da ordem e da perspectiva, transmutar a qualidade de vida em uma vida de qualidade. Perguntemo-nos, então, o que é uma vida de qualidade. Será impossível produzir uma única resposta, porquanto há tantas respostas possíveis quanto há pessoas no mundo. Portanto, pergunta-se “o que é uma vida de qualidade para você?” e ouve-se às respostas, presta-se atenção às respostas, cria-se um vínculo de cuidado fundado e erigido a partir do próprio sujeito e não alheio a ele. A vida de qualidade está na cidade ou no campo? Consiste em comer cinco ou três vezes ao dia? Consiste em caminhar ou permanecer-se sentado? Consiste em trabalhar ou em folgar? A vida de qualidade é poder pensar por si? Ela é poder escolher, decidir ou experimentar?
Enfim, é mais importante conhecer a própria finalidade, horizonte, forças, impulsos, erros e ideais para determinar o que a vida de qualidade significa para si. Há, portanto, inúmeras vidas de qualidade possíveis e quanto mais permitir-se ao indivíduo, particular e incomparável de levantar a cabeça, mais se desprenderá das métricas dos outros, mais autonomia conservará. A maior parte do que rege nossas ações em relação ao mundo ou a nós mesmos pertence ao nosso universo interior, que não nos é um livro aberto, mas que é passível de ser folheado, explorado e interpretado.
A Austil Z oferece um canal de comunicação para pensar sobre nossas escolhas, estilo de vida, visão pessoal do envelhecimento.
Solange Kappes
Psicóloga Clínica CRP 0572377
Contato: psicologasolangekappes@gmail.com