Desafios de relações entre pais e filhos com a longevidade e a necessidade de cuidados

O aumento da longevidade já é uma realidade em todo mundo. Isso vem ocorrendo devido à diferentes fatores, como a queda da fecundidade e da taxa de mortalidade; a melhoras na nutrição, nas condições sanitárias, nos avanços da medicina, no bem-estar econômico e nos cuidados com a saúde. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2060 haverá mais idosos do que jovens no país.

A medida que a população envelhece, vem se construindo políticas públicas de atenção à saúde do idoso e maior atenção a esses indivíduos para que tenham um envelhecimento saudável e ativo, permitindo que possam estar cada vez mais integrados à sociedade.

No âmbito familiar, o envelhecimento e a necessidade de cuidados dos pais desafiam as relações entre pais e filhos levando a necessidade de ajustamentos e adaptações diárias. Geralmente, os filhos demoram a constatar as perdas reais e simbólicas que os pais enfrentam. A concepção de mortalidade dos pais costuma ser negada e abstraída com frequência pelos filhos, pois pode gerar sentimento de desamparo e fraqueza nos mesmos. Para o idoso, o adoecimento implica na mudança de status “de ser saudável” e “do ser saudável”, resultando a sua perda de autonomia, no abalo de sua integridade física e a reflexão à cerca da própria finitude.

 

Desafios de relações entre pais e filhos com a longevidade e a necessidade de cuidados

 

Conforme o grau de dependência aumenta, as mudanças se fazem mais presentes e necessárias.  Alguns chamam essa forma de relação de inversão de papéis. Porém, sempre alerto que não se perca a noção e o sentimento de hierarquia natural determinada pela própria vida. Bert Hellinger – criador das Constelações Familiares, ressalta que independentemente de sua idade real, logo que os filhos encontram seus pais, os filhos tendem a comportar-se como se tivessem 5 ou 6 anos de idade.  Os pais, por sua vez, veem e tratam os filhos como se eles também tivessem 5 ou 6 anos, independentemente de sua idade real.

Logo, o cuidado nunca será o mesmo. Cuidar de um filho é amor, responsabilidade e dever. É o dar sem tomar. Costumamos dizer como pais, que se precisar, damos a nossa vida por nossos filhos. Já cuidar dos pais é amor, reconhecimento e gratidão. O tempo é outro e a disponibilidade interna é diferente. Isso não quer dizer que não haja amor e dedicação.

Em minha prática clínica em consultório e em Instituição de Longa Permanência (ILPI) – Lar União, constato a importância de acolher e orientar os filhos na arte de cuidar – em especial do cuidador familiar principal ou primário. Leonardo Boff nos lembra que o que se opõe ao descuido e ao descaso é o CUIDADO.  Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Ninguém nasce pai ou mãe. A maternidade e a paternidade é uma construção, um aprendizado diário. Da mesma forma, os filhos precisam também aprender a cuidar de quem sempre lhes ofereceu naturalmente os cuidados sem nada cobrar.

Os cuidadores familiares, muitas vezes, apresentam pouco conhecimento e capacitação para o cuidado do seu ente familiar. Eles acabam assumindo funções para as quais não estão adequadamente preparados.  A falta de experiência associada às mudanças de seu ritmo de vida devido as novas responsabilidades, faz com que essa situação seja encarada como algo difícil.  A qualidade das relações e as situações inacabadas de mágoas e conflitos entre pais e filhos colaboram também para o peso do cuidar.  Muitos relatam que vivem nesse momento o melhor e o pior de si.

É possível enumerar alguns desafios físicos e emocionais vivenciados pelo cuidador familiar. Refletindo sobre os desafios positivos podemos destacar: crescimento pessoal; gratificações e significado do cuidar; tarefa satisfatória reconhecida; forma de expressão de amor e carinho e desenvolvimento de competências. Já os negativos apontam para perdas pessoais: estresse e ansiedade; dificuldade de gestão de tempo; restrição do tempo livre; redução das atividades sociais; influência na gestão familiar e depressão.

Quem cuida precisa ser cuidado. Esse é um lema a ser seguido nesta etapa de vida pelos filhos e para todos que cuidam. Grupos de cuidadores familiares, palestras informativas, rede de apoio e ajuda com outros familiares e amigos, inclusão de cuidador formal e apoio psicológico, são algumas ações essenciais para amenizar os desgastes emocionais e físicos. O cuidado consigo mesmo precisa anteceder a necessidade e emergência de cuidar do outro.

Estar presente. Mostrar-se presente. Significar sua presença. Três vertentes do cuidar consciente, amoroso e possível.  Viver é uma arte trabalhosa. Requer tempo, paciência e atualização de necessidades e possibilidades.

 

Jorgete Botelho – psicóloga clínica e institucional. Especialista em Gerontologia, Terapia Familiar e Casal, Consteladora Familiar, Arterapia e Cuidados Paliativos.

Coordenadora de Grupos de Aposentados e de grupo Cuidando-me, Cuido.

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