Sectarismo vital e suas nuances. A reflexão que proponho é resultado de uma experiência que fisgou, tal qual um anzol, lembranças antigas dos grotões de minha memória. Passeava, há alguns dias, pelos jardins do Palácio do Catete. Lá, na ocasião, acontecia um evento junino, com música tradicional, comidas típicas e uma feira para venda de produtos. Enquanto andava, a procura de um espaço para sentar no gramado, próximo ao lago, observei demoradamente as pessoas que ali estavam e era gente de toda ordem: famílias, casais e solteiros; bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos; e os pets, cada vez mais numerosos. Observei várias tendas com atividades dedicadas às crianças, como bolhas de sabão, parque, apresentação de palhaços e pintura. Observei, também, as crianças nas interações com seus pais, vi e ouvi algumas birras. Notei que os jovens se agrupavam por tribo identitária e que os idosos frequentemente estavam acompanhados de uma enfermeira, sendo empurrados em suas cadeiras de rodas. Estávamos todos lá, juntos, porém inegavelmente apartados uns dos outros.
Aquela vivência despertou-me para a hipocrisia do social. Prega-se vigorosamente sobre a inclusão, a integração e a interação na atualidade e o que se têm é, tão somente, uma justaposição das pessoas. É de se intuir, portanto, que a fragmentação da vida em faixas etárias resulta em uma incapacidade crescente de partilhar e interagir. Cada um está em seu quadrado, em seu isolamento social, mesmo que na multidão. A sociedade da tolerância é, ainda, fracassada e uma falácia, e o lugar do velho nesta história é carregado de estereótipos, tais como os do conservadorismo, da feiura, da fraqueza, da lerdeza e da infantilização, por exemplo.
Ao que consta, não foi sempre assim. Da década de 1960 para cá, houve um grande movimento do capital e do marketing na direção da valorização do jovem, do novo e da inovação. Pode-se notar o fenômeno na velocidade voraz da obsolescência dos produtos, bens e tecnologias; o que reorganizou as relações e a forma como nos entendemos em sociedade. Recuando ainda mais na história, aos tempos do Império Romano, encontra-se uma sociedade muito diversa da atual: crescia-se, recebia-se instrução, desenvolvia-se e envelhecia-se em comunidade, todos pertenciam, todos detinham lugar e importância. Mas, não é preciso tornar tanto na história, as lembranças que recuperei em razão daquele passeio são de 30 anos atrás.
Nasci e cresci até os 4 anos de idade em uma casa onde viviam 15 pessoas: meus avós paternos, pai e mãe, tios e tias, uma prima, uma enfermeira irmã da minha avó e, ocasionalmente,
hospedava-se conosco a professora que vinha até nossa pequena vila dar aulas. Uma tremenda organização e gestão era necessária para cumprir todas as tarefas diariamente. Todos eram conhecedores de suas atribuições e da importância de executá-las para a funcionalidade da convivência. Sou agradecida pela experiência de um lar tão vasto e conectado, as raízes mais profundas que carrego são deste tempo. Sobretudo, sou agradecida pela convivência com meus avós que me dedicaram o mais doce e singelo amor. Nostálgica e, talvez, cafôna, cito uma Ode ao Tempo, de Pablo Neruda “Envelhecer vivendo é belo, como tudo que vivemos”.
Solange Kappes
Psicóloga Clínica CRP 0572377
Contato: psicologasolangekappes@gmail.com